domingo, 13 de fevereiro de 2011

RECEBI POR EMAIL: A ditadura da moda

Comprar um biquíni não costuma ser tarefa das mais agradáveis. O provador, aquele espelho enorme, as luzes frias, e as abomináveis gordurinhas que, de acordo com o padrão de beleza que nos é imposto, devem ser eliminadas. Já! A missão biquíni pode ser ainda mais penosa depois que vemos todas aquelas garotas lindas desfilando na passarela em época de Fashion Week. Nelas, os maiôs caem perfeitamente. Já na vida real...
Corpo inteligente
"Muitas dessas meninas já devem ter deixado de menstruar", diz o psiquiatra Fabio Salzano, do Ambulim. Segundo ele, com o peso muito baixo o corpo não consegue mais ter energia para fazer uma coisa simples, como ovular. Nosso corpo é inteligente, e, por isso, é bom não subestimá-lo ou castigá-lo - afinal, quem, com um peso desses, estaria preparada para ser mãe?

Os profissionais da moda admitem que o corpo exigido hoje pelo mercado é magro. Muito magro. "A modelo deve ter cerca de 20 quilos a menos que a sua altura", diz Alê Gomes, booker da agência L'equipe. Ou seja, se você tem 1,60 metro, deve, para ter chance em passarelas e campanhas publicitárias, pesar 40 quilos. Faça aí suas contas. Você, como eu, muito provavelmente não tem 20 quilos a menos do que sua altura. Mas a gente espera que essa constatação não vá deixá-la frustrada. Porque, como vimos, o importante é não sacanear seu corpo e sim tratá-lo com carinho, alimentado-o de forma correta: nem mais, nem menos.

"O CORPO QUE A MODA PEDE É IRREAL"

Em busca do corpo irreal
"O corpo que a moda pede é irreal", diz Rogério S., produtor de moda. "Aquele na passarela é o corpo de uma adolescente, uma mulher em formação. Uma mulher de 30 anos nunca vai ter esse corpo." A estilista Jaqueline Di Biasi, da grife de biquínis Salinas, concorda. "As meninas de 22 anos são velhas." Mas, de acordo com ela, não tem jeito, pelo menos por enquanto. "As garotas magras são as que ficam bem com todas as roupas. Funcionam melhor na passarela. Só que as mulheres não devem querer parecer com as modelos. São corpos específicos, é uma profissão. Me preocupo, sim, em imaginar que influência isso tem sobre uma adolescente."

Mas, aqui, a pegadinha: fomos a campo e descobrimos que as modelos são tão magras que possuem um índice de massa corporal [a relação entre peso e altura, o primeiro recurso da medicina usado para perceber se uma pessoa é subnutrida, normal ou obesa] bem abaixo do considerado saudável por especialistas. Em outras palavras, de acordo com os médicos consultados, elas provavelmente estão desnutridas.

Sim, aquelas garotas que costumamos ter como ideal de beleza podem até nos convencer de que representam o padrão estético, mas não podem nos convencer de que são exemplo de saúde. A Tpm pediu que um médico do Ambulim [Ambulatório de Bulimia e Anorexia do Hospital das Clínicas] analisasse o índice de massa corporal [IMC] de sete modelos que desfilaram moda praia na São Paulo Fashion Week e na São Paulo Fashion Rio. Invadimos o Ambulim armadas das fichas dessas moças, algumas famosas, outras quase. Peso, altura, idade: tínhamos tudo em mãos. Os médicos do HC fizeram os cálculos e, bingo - todas as modelos das fichas estavam aquém do índice considerado saudável [veja tabela de IMC no cardápio anexo a esta matéria]. Mas, mais arrepiante, os índices de IMC delas eram preocupantes. Trocando em gordurinhas: se essas moças fossem levadas até um médico, ele certamente pediria vários exames de sangue para analisar o tamanho do estrago.

Em números: o IMC da maioria das modelos analisadas fica entre 12 e 15. O considerado saudável pelos médicos é 20. O meu, uma mulher magérrima, é 17. O de Camila Pitanga, Soninha, Marina Person e Angélica é 20. O de uma vítima de desnutrição de um país como a Somália ou a Etiópia é cerca de 12. Ou seja, as modelos que nos mostram roupas e ditam as regras desse jogo chamado "padrão de estética" estão mais próximas, em matéria de saúde, das vítimas da miséria do que da gente.
Freud explica
Na hora em que cria seus biquínis, Jaqueline Di Biasi garante que pensa em mulheres normais. "É para ficar bonito em qualquer tipo de corpo. O desfile é outra coisa. É pura fantasia." Pode ser. Mas é pena que tanta fantasia acabe interferindo na vida real e afetando o destino de mulheres como você e eu. Sem contar as milhões de adolescentes que se submetem a sacrifícios extremos, correndo o risco de ficar com a saúde debilitada, apenas para atingir os tais "20 quilos a menos que a altura".

A modelo carioca Fabíola Cabral, 24 anos, 1,72 metro, 50 quilos e que desfilou nos mais recentes São Paulo Fashion Week e Fashion Rio conta que no backstage do desfile nunca há comida. "As meninas que estão começando são obrigadas a ficar seis, sete horas esperando. Não comem para não aparecer nada na barriga. A pressão abaixa e elas colocam um punhado de sal na boca pra conseguir desfilar." Nessa temporada, ela diz ter visto modelos com marca de injeção no bumbum. "Dizem que estão gripadas. Mas, na boa, são marcas de injeção com remédio para emagrecer."

Como é que a gente se vacina, então, da overdose de mulheres magras que insistem em nos perseguir pela mídia? "Com bom senso", responde o publicitário Marcelo Pallotta, diretor de arte da Giovanni FCB. "As pessoas têm de usar o radar interno para saber o que é real." Ele acredita que de uns tempos pra cá um outro padrão está surgindo. É o tal tipinho sarado, disseminado por Cicarellis e Sarahybas. "O grande problema é que vender biquíni é diferente de vender cigarro. Somos obrigados a informar os males dos cigarros nas embalagens. Mas o biquíni em si não é um mal. O que pode fazer mal é a magreza de algumas modelos." Mas será que, um dia, chegaremos ao ponto de sermos avisadas, nos outdoors ou propagandas de TV, que tanta magreza pode ser prejudicial à saúde?

Anorexia e bulimia
O problema, segundo Salzano, é que a fantasia acaba influenciando de forma nociva. "A imagem de modelos supermagras na moda e na mídia não causa anorexia, mas aumenta a probabilidade da doença em quem já tem essa tendência." Como exemplo, ele cita um estudo realizado nas Ilhas Fiji e publicado, em 2002, pelo The British Journal of Psychiatry. Antes da chegada da televisão, os casos de distúrbios alimentares eram considerados praticamente inexistentes. Com a chegada da TV, e suas mulheres magras e lindas, os casos de distúrbios começaram a aparecer. Assim como a insatisfação da mulher em relação à sua imagem.

"A mulher que olha um corpo na passarela se frustra ao pensar que não consegue ser assim", ressalta a antropóloga Mirian Goldemberg. "Por conta desse inatingível padrão, muitas jovens com o corpo bonito deixam de ir à praia porque acham que estão gordas. Elas se privam do prazer." Como bem sabemos, as mais corajosas até vão, mas ficam enroladas em uma canga. Será que um dia deixaremos de ser assim?

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