Português é preso por tráfico de mulheres
Porto Alegre - Um português acusado de aliciar mulheres brasileiras para prostituição na Europa foi capturado quarta-feira em Canoas, na região metropolitana de Porto Alegre, pela Polícia Federal. A prisão temporária foi decretada pela 1ª Vara Federal de Araraquara (SP). Ele faz parte de uma quadrilha que agia em Porto Alegre e Canoas e em Campinas e Araraquara, em São Paulo.
Os criminosos selecionavam as mulheres, ofereciam passaportes e € 3 mil para que elas dissessem, caso fossem abordadas pela polícia, que estavam em viagem turística. O dinheiro era devolvido a agentes da quadrilha na chegada a Lisboa.
De capital portuguesa, elas seguiam a Viseu, no norte, onde eram forçadas a trabalhar como prostitutas para pagar as passagens e os passaportes. Depois de zeradas as contas, eram liberadas. Outros dois participantes da quadrilha, uma mulher e um irmão do português detido no Sul, estão presos desde 12 de fevereiro, em São Paulo.
Garota de 16 anos desaparece após bate-papo pela internet
A estudante Ingrid de Souza Rocha, 16 anos, está desaparecida desde quinta-feira pela manhã. Segundo o pai da adolescente, o engenheiro Pedro Paulo Rocha, ela saiu de casa, no Bigorrilho, dizendo que iria dar entrada nos documentos para retirar a carteira de identidade, na Rua da Cidadania do Carmo. Combinou com a mãe, Sônia, para buscá-la às 10h30, mas não foi encontrada. A moça tem cabelos castanhos, olhos azuis e 1,67 m.
Rocha acredita que a filha tenha sido vítima de uma pessoa que conheceu pela internet. "Ela gostava muito dessas salas de bate-papo e passou toda quarta-feira na internet", diz. Ele revela que Ingrid conversou por telefone com uma pessoa, à noite. "Acho que ela possivelmente marcou um encontro com esse sujeito e ele se aproveitou da ingenuidade dela", diz Rocha.
A investigação do caso está sendo feita pelo delegado Riad Farhat, coordenador do grupo Tigre (Tático Integrado Grupo de Repressões Especiais). O policial não gostou da divulgação do possível seqüestro. "Nenhuma hipótese está descartada", disse Farhat.
Rocha, entretanto, disse que a polícia está trabalhando com a hipótese de que Ingrid teria fugido com um namorado. Ele não acredita nessa possibilidade. "A Ingrid era uma moça que, de maneira geral, tinha muita liberdade", afirmou. Por outro lado, o engenheiro contou que a filha possui um comportamento "autoritário e que gostava de tomar as decisões sobre sua vida".
O pai confirmou que a adolescente mantinha relacionamentos com alguns colegas, mas nada que fugisse do normal para sua idade. Ele garantiu que Ingrid nunca teve um namorado firme e que por isso não crê na hipótese de que ela tenha simplesmente fugido de casa. Ontem à tarde, a mãe da moça e alguns policiais foram ao colégio em que ela estudava para conversar com amigos e tentar descobrir algum motivo obscuro para o seu desaparecimento. Outra medida será quebrar o sigilo telefônico da casa de Rocha para descobrir com quem ela conversou na noite anterior à que sumiu.
Outros Casos
Segundo a ONG Wired Patrol, 12 em cada 100 jovens americanos que participam de conversas virtuais encontram-se com pessoas que conheceram pelo computador. Estima-se que o aliciamento de menores por meio da Internet, nos EUA, chegue a 5.000 casos por ano. No Brasil, um "site" já recebeu 3.800 denúncias desde 1998. (pág. 1 e 5)
Vendem-se pessoas
Com a expansão do mercado do sexo, as organizações e empresas de uso comercial do sexo passaram a atuar em redes, articuladas nacional e internacionalmente. Segundo a pesquisadora Eva Faleiros, tanto o comércio quanto a indústria do sexo estão ligados a outras redes, inclusive ao tráfico de drogas e de mulheres, crianças e adolescentes para fins de exploração sexual, além das redes de corrupção, de pedofilia e de pornografia via internet.
"Essas redes são extremamente organizadas, vigiadas por um forte esquema de segurança e garantidas pela lei do silêncio", diz a pesquisadora. As redes de prostituição realizam o tráfico de seres humanos negociados como uma mercadoria qualquer. Para isto, estabelecem rotas de acordo com a atividade econômica da região e do público-alvo, abastecem prostíbulos, boates e casas de espetáculos.
O tráfico de pessoas para fins de exploração sexual, conforme o relatório final da PESTRAF (Pesquisa sobre Tráfico de Mulheres, Crianças e Adolescentes para Fins de Exploração Sexual Comercial no Brasil), tem suas determinações não somente na violência criminal, mas, sobretudo, "nas relações macro-sociais (mercado globalizado e seus impactos na precarização do trabalho, migração, na expansão do crime organizado e da expansão da exploração sexual comercial) e nas relações culturais (valores patriarcais/machistas, de classe, de gênero/etnia e adultocêntricos, que levam mulheres, crianças e adolescentes em relações desiguais de poder)".
De acordo com o protocolo de Palermo, lembrado na pesquisa, "o tráfico de
pessoas é o recrutamento, o transporte, a transferência, o alojamento ou a recolha de pessoas, pela ameaça de recursos, à força ou a outras formas de coação, por rapto, por fraude, e engano, abuso de autoridade ou de uma situação de vulnerabilidade, ou através da oferta ou aceitação de pagamentos, ou de vantagens para obter o consentimento de uma pessoa que tenha autoridade sobre uma outra para fins de exploração".
Além disso, as vítimas estão geralmente entre os segmentos sociais mais vulneráveis e com maior necessidade de assistência, de acordo com o Instituto Internacional de Leis e Direitos Humanos da DePaul College. No entanto, o conceito de tráfico, na maioria das vezes, "define e tipifica o tráfico internacional em detrimento do tráfico interno", de acordo com texto da PESTRAF.
Segundo as normas nacionais e internacionais, relacionadas na pesquisa, "o tráfico de crianças, adolescentes e mulheres para fins de exploração sexual comercial é uma violação fundamental dos diretos humanos e um crime. É um fenômeno multidimensional, multifacetado e complexo. Seus fatores determinantes são de ordem política, sócio-econômica, cultural, jurídica e psicológica".
O tráfico para fim sexual é transnacional e ocorre também dentro de seus próprios países e nas regiões de fronteiras. As pessoas são exploradas não somente nas atividades sexuais comerciais, mas também de outras formas, como o trabalho forçado e escravo na agricultura, na fabricação de produtos, nas casas de entretenimento, na pesca e nos serviços domésticos.
A pesquisa revela que o fenômeno emerge inserido numa economia clandestina e ilegal, organizada em redes locais e internacionais, estruturadas através de mecanismos que viabilizam o recrutamento e o aliciamento de mulheres, crianças e adolescentes, reforçando a dependência social, econômica e psicossocial destes segmentos.
Ainda de acordo com o relatório final da PESTRAF, o tráfico também é facilitado pela "tecnologia, pela migração, pelos avanços dos sistemas de transportes, pela internacionalização da economia e pela desregulamentação dos mercados. O tráfico, no contexto da globalização, articula-se com "redes de colaboração global, interconectando-se a mercados e a atividades criminosas, movimentando enormes somas de dinheiro".
Segundo a ONU, citada na pesquisa, os mercados locais e globais do crime organizado, das drogas e do tráfico para fins sexuais, exemplificados pela Yakusa, as Tríades Chinesas, a Máfia Russa e os Snake Heads, são responsáveis pela transação de quase um bilhão de dólares no mercado internacional de tráfico humano.
"Essas redes são extremamente organizadas, vigiadas por um forte esquema de segurança e garantidas pela lei do silêncio", diz a pesquisadora. As redes de prostituição realizam o tráfico de seres humanos negociados como uma mercadoria qualquer. Para isto, estabelecem rotas de acordo com a atividade econômica da região e do público-alvo, abastecem prostíbulos, boates e casas de espetáculos.
O tráfico de pessoas para fins de exploração sexual, conforme o relatório final da PESTRAF (Pesquisa sobre Tráfico de Mulheres, Crianças e Adolescentes para Fins de Exploração Sexual Comercial no Brasil), tem suas determinações não somente na violência criminal, mas, sobretudo, "nas relações macro-sociais (mercado globalizado e seus impactos na precarização do trabalho, migração, na expansão do crime organizado e da expansão da exploração sexual comercial) e nas relações culturais (valores patriarcais/machistas, de classe, de gênero/etnia e adultocêntricos, que levam mulheres, crianças e adolescentes em relações desiguais de poder)".
De acordo com o protocolo de Palermo, lembrado na pesquisa, "o tráfico de
pessoas é o recrutamento, o transporte, a transferência, o alojamento ou a recolha de pessoas, pela ameaça de recursos, à força ou a outras formas de coação, por rapto, por fraude, e engano, abuso de autoridade ou de uma situação de vulnerabilidade, ou através da oferta ou aceitação de pagamentos, ou de vantagens para obter o consentimento de uma pessoa que tenha autoridade sobre uma outra para fins de exploração".
Além disso, as vítimas estão geralmente entre os segmentos sociais mais vulneráveis e com maior necessidade de assistência, de acordo com o Instituto Internacional de Leis e Direitos Humanos da DePaul College. No entanto, o conceito de tráfico, na maioria das vezes, "define e tipifica o tráfico internacional em detrimento do tráfico interno", de acordo com texto da PESTRAF.
Segundo as normas nacionais e internacionais, relacionadas na pesquisa, "o tráfico de crianças, adolescentes e mulheres para fins de exploração sexual comercial é uma violação fundamental dos diretos humanos e um crime. É um fenômeno multidimensional, multifacetado e complexo. Seus fatores determinantes são de ordem política, sócio-econômica, cultural, jurídica e psicológica".
O tráfico para fim sexual é transnacional e ocorre também dentro de seus próprios países e nas regiões de fronteiras. As pessoas são exploradas não somente nas atividades sexuais comerciais, mas também de outras formas, como o trabalho forçado e escravo na agricultura, na fabricação de produtos, nas casas de entretenimento, na pesca e nos serviços domésticos.
A pesquisa revela que o fenômeno emerge inserido numa economia clandestina e ilegal, organizada em redes locais e internacionais, estruturadas através de mecanismos que viabilizam o recrutamento e o aliciamento de mulheres, crianças e adolescentes, reforçando a dependência social, econômica e psicossocial destes segmentos.
Ainda de acordo com o relatório final da PESTRAF, o tráfico também é facilitado pela "tecnologia, pela migração, pelos avanços dos sistemas de transportes, pela internacionalização da economia e pela desregulamentação dos mercados. O tráfico, no contexto da globalização, articula-se com "redes de colaboração global, interconectando-se a mercados e a atividades criminosas, movimentando enormes somas de dinheiro".
Segundo a ONU, citada na pesquisa, os mercados locais e globais do crime organizado, das drogas e do tráfico para fins sexuais, exemplificados pela Yakusa, as Tríades Chinesas, a Máfia Russa e os Snake Heads, são responsáveis pela transação de quase um bilhão de dólares no mercado internacional de tráfico humano.
Os personagens da exploração sexual
No funcionamento das redes de tráfico de mulheres, crianças e adolescentes
para a prostituição, os exploradores organizam-se como uma "teia", em que cada personagem (aliciador, agenciador, proprietários, seguranças, motoristas) desempenha função determinada. Segundo a PESTRAF, essas redes escondem-se sob fachadas de empresas legais ou ilegais, ligadas ao ramo do turismo, do entretenimento, do transporte, da moda, da indústria cultural e pornográfica, das agências de serviços, entre outros mercados que facilitam a prática do tráfico de seres humanos.
A pesquisa revelou que, no Brasil, o tráfico para fins sexuais é predominantemente de mulheres e garotas negras e morenas, com idade entre 15 e 27 anos. As adolescentes de 16 e 17 anos são as mais traficadas, o que leva também à contratação dos serviços de falsificação de documentos para poder embarcar as garotas para o exterior.
Os dados mostram também que os homens, 59%, aparecem como os principais aliciadores e agenciadores no recrutamento de mulheres, crianças e adolescentes nas redes de tráfico para fins sexuais. Eles são geralmente proprietários de boates e agências de outras atividades que fazem parte da rede de favorecimento. As mulheres, de 20 a 35 anos, representam 41%. Estudos comprovam que a maioria das aliciadoras foi explorada sexualmente e passa a figurar como cooptadora de novas garotas.
A pesquisa conseguiu comprovar a existência de 241 rotas de tráfico para fins sexuais no Brasil. Destas, 131 são internacionais e 110 intermunicipais e interestaduais. Assim, em números absolutos, o tráfico interno é tão expressivo quanto o internacional. Entre as rotas para o exterior, 102 lidavam com o tráfico de mulheres, mas apenas 60 transportavam somente mulheres. Tal quadro leva a crer que em pelo menos 42 rotas internacionais são traficadas crianças e adolescentes. A Espanha foi apontada como o destino mais freqüente das brasileiras, com 32 rotas, seguida pela Holanda, 11, e Venezuela, com 10 rotas.
Com relação aos 78 trajetos interestaduais, mais de 80% envolviam o tráfico de adolescentes. As 32 rotas intermunicipais estavam voltadas quase que exclusivamente para o tráfico de adolescentes. A pesquisa revelou ainda que em 26 rotas, tanto intermunicipais quanto interestaduais, foram traficadas crianças.
Leis de mercado do tráfico
As rotas de tráfico de mulheres, crianças e adolescentes para fins de exploração sexual na maioria das vezes também servem de passagem para drogas e outros contrabandos. Esses roteiros estão em conexão com o crime organizado e o narcotráfico. "Nelas, as relações de poder são construídas a partir de uma ordem mafiosa, indicando que sua elaboração não envolve apenas a participação de pessoas ligadas às redes criminosas, mas também a de diferentes atores institucionais", relata o texto da PESTRAF.
Assim como no comércio do sexo, o tráfico para fins de exploração sexual
também segue as leis de mercado, visa ao lucro e se estabelece de acordo com a demanda. Acontece de diferentes maneiras de acordo com as regiões do País e é realizado tanto por meio terrestre, como marítimo, aéreo e hidroviário. Normalmente, de acordo com a pesquisa sobre tráfico de pessoas, as rotas são interligadas. Uma adolescente pode ser aliciada em seu município de origem, começar a ser explorada em cidades próximas, depois levada para outros Estados e, por fim, ser traficada para o exterior.
O tráfico de seres humanos configura-se como uma evolução da exploração
sexual comercial. No entanto, falta legislação específica para tratar do tema. Do ponto de vista legal, o Código Penal brasileiro não trata do tráfico de pessoas para fins sexuais em geral, mas de mulheres para prostituição e em escala internacional, como descrito em seu artigo 231: "tráfico é promover ou facilitar a entrada, no território nacional de mulher que nele venha exercer a prostituição, ou a saída de mulher que vá exercê-la no estrangeiro".
Por sua vez, o ECA (Estatuto da Criança e do Adolescente), no artigo 251, considera infração administrativa a ação de promover ou de facilitar a saída ou a entrada, no território nacional, de crianças e adolescentes, sem a observância do determinado pelos seus artigos 83, 84 e 85 (autorizações para viagens, por exemplo). Por fim, no artigo 244, tipifica como crime, genericamente, a submissão de crianças e adolescentes à prostituição e à exploração sexual. Dessa forma, é possível utilizar o artigo 244 do ECA para enquadrar como crime certas situações que não possam ser consideradas como tráfico, na forma do artigo 231, do Código Penal brasileiro.
A pena prescrita à forma simples do tráfico é de três a oito anos de reclusão, podendo ser agravada para quatro a 10 anos, se "a vítima é maior de 14 e menor de 18 anos ou se o agente é seu ascendente, descendente, marido irmão, tutor ou curador ou pessoa a que esteja confiada para fins de educação, de tratamento ou de guarda". A pena é agravada de cinco a 12 anos se há "emprego de violência, grave ameaça ou fraude", além da pena correspondente à violência. Recorde-se que no caso do crime ter sido praticado contra menor de 14 anos "presume-se a violência". Por fim, se o crime é praticado com o fim de lucro, aplica-se também a pena de multa.
As redes de exploração sexual e a impunidade
O fato do mercado do sexo ser economicamente muito poderoso – além de se reciclar constantemente, ser ilegal, criminoso e dominado por máfias – é apontado pelo pesquisador Vicente Faleiros, citado por Eva Faleiros, com uma das dificuldades para o avanço das pesquisas e combate ao problema.
Conforme Faleiros, "as redes não são invenções abstratas, mas partem da articulação de atores e organizações, forças existentes no território, para uma ação conjunta com responsabilidade compartilhada e negociada". Partindo desta definição, é bom colocar que as redes podem ser tanto de violência quanto de proteção, uma sempre contra a outra, para a defesa ou não dos direitos da população infanto-juvenil.
No Brasil, ainda segundo Vicente Faleiros, convive-se com projetos político-societários antagônicos e contraditórios. Esses projetos vêm-se desenrolando desde o início da década de 90, quando a exploração sexual comercial de crianças e adolescentes passou a ser foco de muitas ações de combate e prevenção. Mesmo assim, "constata-se que, ao lado de um importante movimento pela cidadania, impera a impunidade e a justiça de classe, uma trágica herança histórica da escravidão e a presença de múltiplas formas de autoritarismo".
De acordo com o pesquisador, existe um conflito entre modelos e projetos sociopolíticos na prática cotidiana, que mostra falhas na estruturação e implantação das políticas públicas de prevenção e atendimento. "A implementação da cidadania contrapõe-se à cultura do autoritarismo e do clientelismo, à impunidade e à visão exclusivamente clínica do atendimento", afirma.
Por esses motivos muitos especialistas concordam que a eliminação da violência sexual deve se dar em diferentes frentes, por meio de ações articuladas de prevenção, atenção, responsabilização e de defesa de direitos. Os pesquisadores Vicente e Eva Faleiros colocam, no livro Circuito e Curtos-Circuitos no Atendimento, Defesa e Responsabilização do Abuso Sexual contra Crianças e Adolescentes no Distrito Federal, que "a prevenção é a mais importante política de enfrentamento".
No entanto, a pesquisadora afirma no mesmo título que ainda existe uma "concepção bipolarizada, a dos dispositivos legais e processuais e a dos sentimentos, dores e danos", quando se refere ao trabalho dos atores sociais responsáveis pela efetivação das políticas públicas de atendimento. "Essas funções distintas tendem a atuar paralelamente com pouca articulação." Segundo ela, a pouca efetivação do enfrentamento deve-se também à legislação brasileira, cuja caracterização dos crimes sexuais é limitada e desatualizada.
Além disso, o perfil ético dos atores que fazem parte das redes de proteção e das redes de exploração é muito próximo. A observação da problemática revela que alguns personagens transitam livremente nas duas redes, fazem parte delas e se misturam, provocando o sincretismo das redes, que se encontram e se entrelaçam.
No funcionamento das redes de tráfico de mulheres, crianças e adolescentes
para a prostituição, os exploradores organizam-se como uma "teia", em que cada personagem (aliciador, agenciador, proprietários, seguranças, motoristas) desempenha função determinada. Segundo a PESTRAF, essas redes escondem-se sob fachadas de empresas legais ou ilegais, ligadas ao ramo do turismo, do entretenimento, do transporte, da moda, da indústria cultural e pornográfica, das agências de serviços, entre outros mercados que facilitam a prática do tráfico de seres humanos.
A pesquisa revelou que, no Brasil, o tráfico para fins sexuais é predominantemente de mulheres e garotas negras e morenas, com idade entre 15 e 27 anos. As adolescentes de 16 e 17 anos são as mais traficadas, o que leva também à contratação dos serviços de falsificação de documentos para poder embarcar as garotas para o exterior.
Os dados mostram também que os homens, 59%, aparecem como os principais aliciadores e agenciadores no recrutamento de mulheres, crianças e adolescentes nas redes de tráfico para fins sexuais. Eles são geralmente proprietários de boates e agências de outras atividades que fazem parte da rede de favorecimento. As mulheres, de 20 a 35 anos, representam 41%. Estudos comprovam que a maioria das aliciadoras foi explorada sexualmente e passa a figurar como cooptadora de novas garotas.
A pesquisa conseguiu comprovar a existência de 241 rotas de tráfico para fins sexuais no Brasil. Destas, 131 são internacionais e 110 intermunicipais e interestaduais. Assim, em números absolutos, o tráfico interno é tão expressivo quanto o internacional. Entre as rotas para o exterior, 102 lidavam com o tráfico de mulheres, mas apenas 60 transportavam somente mulheres. Tal quadro leva a crer que em pelo menos 42 rotas internacionais são traficadas crianças e adolescentes. A Espanha foi apontada como o destino mais freqüente das brasileiras, com 32 rotas, seguida pela Holanda, 11, e Venezuela, com 10 rotas.
Com relação aos 78 trajetos interestaduais, mais de 80% envolviam o tráfico de adolescentes. As 32 rotas intermunicipais estavam voltadas quase que exclusivamente para o tráfico de adolescentes. A pesquisa revelou ainda que em 26 rotas, tanto intermunicipais quanto interestaduais, foram traficadas crianças.
Leis de mercado do tráfico
As rotas de tráfico de mulheres, crianças e adolescentes para fins de exploração sexual na maioria das vezes também servem de passagem para drogas e outros contrabandos. Esses roteiros estão em conexão com o crime organizado e o narcotráfico. "Nelas, as relações de poder são construídas a partir de uma ordem mafiosa, indicando que sua elaboração não envolve apenas a participação de pessoas ligadas às redes criminosas, mas também a de diferentes atores institucionais", relata o texto da PESTRAF.
Assim como no comércio do sexo, o tráfico para fins de exploração sexual
também segue as leis de mercado, visa ao lucro e se estabelece de acordo com a demanda. Acontece de diferentes maneiras de acordo com as regiões do País e é realizado tanto por meio terrestre, como marítimo, aéreo e hidroviário. Normalmente, de acordo com a pesquisa sobre tráfico de pessoas, as rotas são interligadas. Uma adolescente pode ser aliciada em seu município de origem, começar a ser explorada em cidades próximas, depois levada para outros Estados e, por fim, ser traficada para o exterior.
O tráfico de seres humanos configura-se como uma evolução da exploração
sexual comercial. No entanto, falta legislação específica para tratar do tema. Do ponto de vista legal, o Código Penal brasileiro não trata do tráfico de pessoas para fins sexuais em geral, mas de mulheres para prostituição e em escala internacional, como descrito em seu artigo 231: "tráfico é promover ou facilitar a entrada, no território nacional de mulher que nele venha exercer a prostituição, ou a saída de mulher que vá exercê-la no estrangeiro".
Por sua vez, o ECA (Estatuto da Criança e do Adolescente), no artigo 251, considera infração administrativa a ação de promover ou de facilitar a saída ou a entrada, no território nacional, de crianças e adolescentes, sem a observância do determinado pelos seus artigos 83, 84 e 85 (autorizações para viagens, por exemplo). Por fim, no artigo 244, tipifica como crime, genericamente, a submissão de crianças e adolescentes à prostituição e à exploração sexual. Dessa forma, é possível utilizar o artigo 244 do ECA para enquadrar como crime certas situações que não possam ser consideradas como tráfico, na forma do artigo 231, do Código Penal brasileiro.
A pena prescrita à forma simples do tráfico é de três a oito anos de reclusão, podendo ser agravada para quatro a 10 anos, se "a vítima é maior de 14 e menor de 18 anos ou se o agente é seu ascendente, descendente, marido irmão, tutor ou curador ou pessoa a que esteja confiada para fins de educação, de tratamento ou de guarda". A pena é agravada de cinco a 12 anos se há "emprego de violência, grave ameaça ou fraude", além da pena correspondente à violência. Recorde-se que no caso do crime ter sido praticado contra menor de 14 anos "presume-se a violência". Por fim, se o crime é praticado com o fim de lucro, aplica-se também a pena de multa.
As redes de exploração sexual e a impunidade
O fato do mercado do sexo ser economicamente muito poderoso – além de se reciclar constantemente, ser ilegal, criminoso e dominado por máfias – é apontado pelo pesquisador Vicente Faleiros, citado por Eva Faleiros, com uma das dificuldades para o avanço das pesquisas e combate ao problema.
Conforme Faleiros, "as redes não são invenções abstratas, mas partem da articulação de atores e organizações, forças existentes no território, para uma ação conjunta com responsabilidade compartilhada e negociada". Partindo desta definição, é bom colocar que as redes podem ser tanto de violência quanto de proteção, uma sempre contra a outra, para a defesa ou não dos direitos da população infanto-juvenil.
No Brasil, ainda segundo Vicente Faleiros, convive-se com projetos político-societários antagônicos e contraditórios. Esses projetos vêm-se desenrolando desde o início da década de 90, quando a exploração sexual comercial de crianças e adolescentes passou a ser foco de muitas ações de combate e prevenção. Mesmo assim, "constata-se que, ao lado de um importante movimento pela cidadania, impera a impunidade e a justiça de classe, uma trágica herança histórica da escravidão e a presença de múltiplas formas de autoritarismo".
De acordo com o pesquisador, existe um conflito entre modelos e projetos sociopolíticos na prática cotidiana, que mostra falhas na estruturação e implantação das políticas públicas de prevenção e atendimento. "A implementação da cidadania contrapõe-se à cultura do autoritarismo e do clientelismo, à impunidade e à visão exclusivamente clínica do atendimento", afirma.
Por esses motivos muitos especialistas concordam que a eliminação da violência sexual deve se dar em diferentes frentes, por meio de ações articuladas de prevenção, atenção, responsabilização e de defesa de direitos. Os pesquisadores Vicente e Eva Faleiros colocam, no livro Circuito e Curtos-Circuitos no Atendimento, Defesa e Responsabilização do Abuso Sexual contra Crianças e Adolescentes no Distrito Federal, que "a prevenção é a mais importante política de enfrentamento".
No entanto, a pesquisadora afirma no mesmo título que ainda existe uma "concepção bipolarizada, a dos dispositivos legais e processuais e a dos sentimentos, dores e danos", quando se refere ao trabalho dos atores sociais responsáveis pela efetivação das políticas públicas de atendimento. "Essas funções distintas tendem a atuar paralelamente com pouca articulação." Segundo ela, a pouca efetivação do enfrentamento deve-se também à legislação brasileira, cuja caracterização dos crimes sexuais é limitada e desatualizada.
Além disso, o perfil ético dos atores que fazem parte das redes de proteção e das redes de exploração é muito próximo. A observação da problemática revela que alguns personagens transitam livremente nas duas redes, fazem parte delas e se misturam, provocando o sincretismo das redes, que se encontram e se entrelaçam.
Esclarecendo conceitos
Martha Savillon, da Casa Alianza, de Honduras, contou a experiência de seu país. Ela fez uma diferenciação entre o que é "tráfico" e "trama". No Brasil, o tráfico de pessoas é o "recrutamento, transporte, transferência, alojamento ou acolhimento de pessoas, recorrendo à ameaça, ao uso da força ou a outras formas de coação, ao rapto, à fraude, ao engano, ao uso de autoridade, à situação de vulnerabilidade, à entrega ou aceitação de pagamentos ou benefícios para obter o consentimento de uma pessoas que tenha autoridade sobre outra para fins de exploração", seja sexual, do trabalho, serviços forçados, escravatura e práticas similares, servidão ou remoção de órgãos. Já em Honduras, Martha disse que se chama de "tráfico" quando um ser humano faz um acordo com um traficante para que o leve a um outro país, sem documentação. Normalmente, essas pessoas pagam de 3 mil a 5 mil dólares para serem transportadas e seu objetivo é a busca de melhores condições de vida.
Já a "trama" é quando a pessoa é enganada. É quando um "tratante" oferece um emprego em outro país para uma determinada pessoa, que depois é enganada, passa a ser explorada, seja sexualmente, pelo trabalho, por matrimônio forçado, adoção ilegal ou extração de órgãos. Ela disse que, muitas vezes, o tráfico se transforma em trama.
Martha lamentou que, na América Central, as condições de vida sejam tão ruins que, quando essas pessoas fogem dos traficantes ou tratantes e são encontradas pela polícia, preferem voltar para eles a voltarem para seu país de origem. Ela disse que, para essas crianças, a única opção de vida é a exploração. Alertou ainda que, atualmente, alguns países que antes faziam parte da rota de trânsito do tráfico, como a Guatemala, estão se constituindo em pontos de exploração de crianças.
Estabelecimento de redes internacionais
A representante da Casa Alianza acredita que todos os países do mundo devem trabalhar juntos contra a exploração sexual comercial de crianças e mulheres e no sistema de atendimento à vida, bem como na reforma do marco legal. Ela considera fundamental atuar em conjunto porque, se a rede do tráfico é internacional, a resposta também deve ser internacional.
Bandana Pattanaik, da Aliança Global contra o Tráfico de Mulheres, compartilha da opinião. Ela diz que o enfrentamento ao tráfico deve ser feito em rede, pois é um fenômeno que transcende fronteiras. Mas apontou como uma necessidade urgente trabalhar a garantia das migrantes. E sugeriu que se ouvissem cada vez mais as organizações formadas por mulheres vítimas de tráfico para traçar estratégias de combate ao crime, já que elas têm um testemunho importante a dar, pois sentiram a experiência na própria pele.
A professora Maria Lúcia apontou ainda que a rede de enfrentamento ao tráfico e defesa da vítima deve ser mais rápida do que a rede do próprio tráfico. Ela disse que, nesse sentido, é fundamental conhecer o perfil do explorador e da vítima, para compreender a oferta e a demanda desse mercado. E propôs que o tráfico seja visto como uma questão social, com implicações nas áreas do trabalho, saúde, educação, cultura, sexualidade etc, e não como um problema isolado.
Nesse sentido, Maria Lúcia vê como o grande desafio brasileiro a capacitação das pessoas que atuam com a questão, em cada município no qual o tráfico está presente. Ela disse que a PESTRAF mostrou que 937 municípios brasileiros - cerca de 20% - tiveram denúncias concretas de tráfico. Desses, 181 tiveram confirmada a presença do tráfico de mulheres, crianças e adolescentes.
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